terça-feira, 25 de janeiro de 2011

COMO LER UMA PEÇA DE TEATRO

Uma obra teatral “narra um argumento que está constituído por uma seqüência de incidentes em que as pessoas (agentes) fazem e dizem coisas, ao mesmo tempo em que aconte­cem outras”.

O primeiro objetivo de uma leitura seria o de tomar conhecimento do argumento, ou melhor, da história da peça desde o princípio até o final. O diretor deverá ler a peça com uma imaginação dinâmica, vendo a ação se desenvolver, sentindo as mutações, ouvindo os diálogos, vendo os cenários e a iluminação, completando as rubricas com a força de sua criatividade. Existem peças cujas rubricas são insuficientes e o diretor terá que usar de todo a sua fantasia para desven­dar o que não foi dito. Algumas vezes o diretor terá que des­cobrir dentro das próprias falas o que falta na rubrica. Voltamos a lembrar a passagem de Gordon Craig. Em princípio as impressões retidas nesta primeira leitura, seriam as impressões de um público normal. Entre a composição de uma obra e sua representação, há uma série de fases, de apropriações e desapropriações causadas pelos atores e espectadores: a sua imaginação motiva e mantém esses mal-entendidos.
Desde a sua criação, uma obra leva em si três tendências, três princípios deformadores, três peças distintas: a que o autor crê haver escrito, a que os atores interpretam e a que a maioria dos espectadores crê entender. O autor pretende, o ator pretende à sua maneira, e o público, que tomou a sua atitude de julgar, recebe de outro modo.
Desta forma, ao acabarmos de ler a obra estaremos mais ou menos próximos da opinião de um público desprevenido, de um público que vai para assistir e reagir a um espetáculo e não pretende dar opiniões brilhantemente inteligentes no final de cada ato. Assim, a finalidade do teatro não é talvez uma busca de ordem intelectual, senão uma revelação de ordem sentimental.
Podemos então perguntar ao texto: Por que esta obra desperta interesse? Por que satisfaz o interesse? Por causa da história que conta? Pelos pensamentos que emite? Pelos personagens? Pelas emoções evocadas? Que é que faz com que os personagens de determinada obra sejam interessantes em si mesmo e obrigue ao público se interessar pelo que ocorre em cena? Jean Villar emprega o termo “Personagem aberto” para designar a figura imaginada pelo poeta, que transborda as interpretações possíveis e pode, independente­mente aos marcos sociais, impor-se a grupos diferentes, suscitar uma participação coletiva universal. Existe uma fonte de interesse nesta obra? Que classe de efeitos produz? Serão efeitos cômicos? Dramáticos? Poéticos? — Um autor tenta despertar o interesse do público e conduzi-lo a um de­terminado fim. “Se põe uma obra em cena por uma neces­sidade de satisfação que no fundo é a finalidade do teatro, a necessidade que tem o autor de libertar-se de algo que o persegue, e que leva dentro de si”, e o que poderíamos cha­mar de mensagem da peça. Uma peça pode ter mais de uma mensagem ou pode durante o seu desenvolvimento trazer mais de um efeito. Em Romeu e Julieta, por exemplo, as cenas de grande dramaticidade são precedidas de aparições cômicas. Nesta peça temos, cenas românticas e poéticas como a cena do balcão, dramática, como a cena em que Julieta toma o narcótico, cômicas, como as cenas da ama e as cenas de Mer­cuccio.
Continuando o nosso roteiro, o que conduz a uma grande cena? Uma obra é composta de cenas, todas elas são inter­relacionadas, compondo a cadeia dramática. Em toda cena existe um momento alto, mas existe um momento em que podemos situar a grande cena, passando a ser o momento culminante. Para esta cena é que todas as outras cenas de­verão ser conduzidas. Voltando ao Romeu e Julieta, o ponto alto do primeiro ato é o encontro dos amantes durante o baile. Pois bem, todas as cenas deste ato deverão estar sendo dirigidas para este encontro romântico e proibido. Este é no 1° ato o ponto alto, a grande cena.
Se não descobrirmos as partes importantes à direção da peça perderá a unidade e conseqüentemente mudaremos o sentido geral da obra. Suponhamos por acaso que enfatizas­semos por demais as cenas cômicas de Romeu e Julieta, ao chegarmos nos momentos dramáticos, estes não estariam preparados para receber a densidade trágica e as cenas não teriam sustentação.
É necessários que cada cena seja condutora para a cena seguinte, e todas elas distribuídas para o efeito total quando um caráter reage frente a outro, ou toma uma deliberada decisão angustiosa, os elementos do conflito estão presentes. Em um drama bem organizado, as tensões e os conflitos internos conduzem a combates externos.
Depois de determinarmos a natureza dos conflitos, como nascem, como se desenvolvem, para onde nos conduzem estes mesmos conflitos e suas respectivas conseqüências, passamos a estabelecer os matizes desses conflitos, as implicações secun­dárias, aquelas implicações que correm paralelas ao drama principal. Com isto, vemos que além dos protagonistas, exis­tem um mundo de pequenos outros personagens possuidores de vidas próprias, com seus respectivos conflitos e problemas, que nos passam despercebidos numa simples leitura. A eles devemos dar o devido cuidado. Eles fazem como que um fundo a figura principal. Numa pintura, por exemplo, além da figura principal, temos no fundo uma série de outras figuras que além de auxiliarem ao artista na determinação da forma e composição, muitas vezes, servem para determinar o ambiente e o clima da obra. Como nós já vimos, em toda a obra de arte nós temos a forma e o conteúdo, ou melhor, di­zendo, forma é o modo pelo qual o artista utiliza os elemen­tos específicos de expressão, e o conteúdo é aquilo que o artista representa ou narra, isto é, o assunto.
Desta forma um personagem que apenas aparece em uma pequena cena, serve muitas vezes para situar o verda­deiro clima da peça, dar uma opinião do mundo exterior. Um exemplo seria o diálogo entre os dois criados no início de Romeu e Julieta. Este diálogo simples, é suficiente para mostrar o clima de ódio e disputa em que viviam as duas famílias. Ou então do diálogo de Hamlet do início, já trans­crito em outro capítulo.
Muitas vezes o autor coloca um personagem de pequena importância unicamente para fazer um comentário de como a sociedade vê o fato exposto, de maneira a mostrar melhor o contraste ou a diversidade de opiniões. A esses pequenos personagens que muitas vezes são vestidos de vizinhos, cria­dos, camponeses, devemos dar muito atenção, em suas falas podem ocultar toda a estrutura da peça.
Uma outra pergunta a se fazer no texto seria: Qual a natureza da trama e do argumento? Qualquer problema esbo­çado nas primeiras cenas levará ao problema principal pela progressão da trama. Muitas vezes os primeiros problemas esboçados não são na verdade o verdadeiro conflito da peça, mas serão fatalmente os elos condutores a este problema princi­pal. A discussão entre os criados da casa dos Capuletos com os criados da casa dos Montecchio, provocará a entrada de Teobaldo da Casa dos Capuletos e desta forma provocar a ira do Príncipe de Verona que baixará um edital que no 3° ato exilará Romeu. Como vimos, esta pequena seqüência mostra como uma progressão é como uma cadeia de elos.
Numa peça os elos não devem ficar soltos ou abandona­dos. O que não for importante não é necessário. Um fotógra­fo, que sai para passear num domingo, toma um instantâneo de uma paisagem. De certo modo ele é fiel à paisagem. Po­rém o artista que chega ao mesmo lugar pode compor com a palheta uma interpretação, que, se bem que se afaste de alguns aspectos das formas observadas, conserva o essencial, que é mais fiel à paisagem que o registro preciso da máquina fotográfica. Desta forma, da mesma maneira que um pintor, o diretor pode usar em sua arte a mesma liberdade de inter­pretação, valendo-se da seleção, o exagero, a deformação o reordenamento.
Para que a atenção do público não se disperse, deve o diretor conduzi-la para o efeito desejado, enfatizar o que deve ser realmente percebido, selecionar aquilo que é mais importante para que o espetáculo chegue a seu termo como uma obra única. A isso chamaremos “organização formal da trama”. Qual a principal questão da obra? Como respon­dida? Com isto já estaremos fazendo um processo seletivo.
Toda obra, ainda que medíocre tem algo a dizer. Ela foi escrita porque o autor pretendia dizer alguma coisa para o mundo. Ela propõe alguma coisa, protesta contra uma ins­tituição social ou pretende revelar uma angústia secreta, uma paixão desenfreada ou mesmo um acontecimento pito­resco. Esta resposta tem que ser dada antes de qualquer coisa. Sem isso, o diretor vai tatear às cegas diante de um espetá­culo sem objetivo.

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